Apresentação


Este blog destina-se a profissionais, estudantes e demais interessados nas áreas da Ciência da Informação, Arquitetura da Informação, Ciência da Computação, Tecnologia da Informação e História da Ciência, constituindo-se como um espaço para a publicação e discussão de temas que contribuam para a compreensão e desenvolvimento destas áreas

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Os Primeiros Computadores Eletrônicos – cont.


O ENIAC, Segundo Dilys Winegrad e Atsushi Akera(20), concebido e construído na Escola Moore de Engenharia Elétrica da Universidade da Pennsylvania, não foi o primeiro dispositivo eletrônico de cálculo. No início da década de 1930, físicos já dispunham de contadores de radiação que utilizavam válvulas eletrônicas a vácuo, como no caso do ENIAC, e diversos laboratórios de pesquisa produziram dispositivos capazes de contar de um a dez. Já no final da década de 1930 e início da década de 1940, existiam pelo menos outras três iniciativas independentes, tratando de problemas de computação com o uso de circuitos eletrônicos: John Atanasoff, British Intelligence (Serviço de Inteligência Britânico) e IBM (International Business Machines).
 
Entre 1937 e 1941, John Atanasoff, professor de física na Universidade Estadual de Iowa, que interessava-se pela construção de máquinas de alta velocidade para a resolução de problemas genéricos de computação, decidiu projetar um equipamento para solucionar sistemas complexos de equações lineares. Com a ajuda de Clifford Berry, ex-aluno de graduação da Universidade de Iowa, desenvolveu um dispositivo que ficou conhecido como Computador Atanasoff-Berry (ABC), mas que até o final de 1941 não estava totalmente operacional.
 
Com o início da campanha norte-americana na Segunda Guerra Mundial, Atanasoff foi impelido a interromper seus trabalhos com o ABC e assumir, em dezembro daquele ano, um posto no Laboratório de Artilharia Naval, em Washington, D.C. Embora o ABC fosse um computador de uso específico, ele teve como mérito o fato de todas as suas operações de adição e multiplicação serem executadas por circuitos totalmente eletrônicos. No entanto, o uso de um dispositivo eletromecânico para armazenar dados e resultados intermediários, impunha um gargalo no sistema, limitando sua velocidade de processamento.
 
Neste mesmo ano de 1941, a IBM, cuja experiência anterior era em equipamentos de leitura e perfuração de cartões, projetou um dispositivo eletrônico de multiplicação, em colaboração com a Universidade de Columbia, onde pesquisava-se mecanismos para acelerar a execução de aplicações científicas na área de matemática.
 
Neste contexto, somente o Colossus, computador construído por volta de 1942 em Bletchley Park, na Inglaterra, patrocinado pelo Serviço de Inteligência Britânico, poderia ser considerado uma máquina eletrônica de grande porte. Enquanto Atanasoff e a IBM, pasmem, foram limitados pela disponibilidade de recursos financeiros, Bletchley Park e a Escola Moore, beneficiados pelo esforço de guerra, foram agraciados com enormes recursos para pesquisa e desenvolvimento.

Em 1940, quando parecia cada vez mais provável a entrada dos Estados Unidos na Guerra, o interesse pelas técnicas computacionais atingiu seu auge, movido, principalmente, pela grande quantidade de projetos de armas de artilharia e também pela evolução e conseqüente mudança de padrões militares. Neste cenário, onde a capacidade computacional disponível apresentava-se insuficiente frente à demanda, e o analisador diferencial representava o estado da arte em equipamentos para este propósito, a pesquisa e o desenvolvimento necessários à produção da tecnologia que atendesse às necessidades da nação encontrou solo fértil na Escola Moore.  

Mauchly, Eckert e a
Válvula Eletrônica (44)
No final de 1941*, quando por fim os Estados  Unidos entraram na Guerra, muitos professores e pesquisadores da Escola Moore foram requisitados para o serviço militar ou para projetos militares secretos. Para substituir alguns dos professores engajados no esforço de guerra, a Universidade da Pennsylvania contrataria os PhD's John W. Mauchly e Arthur Burks. Por esta mesma época, J. Presper Eckert Jr, jovem professor, considerado o mais brilhante estudante e o melhor engenheiro da Escola Moore, uniu-se a John Mauchly, para pesquisarem o assunto de maior interesse de ambos: como aplicar a eletrônica para construir computadores de alta velocidade.

Em meados de 1941, Mauchly esteve na Universidade Estadual de Iowa com Vincent Atanasoff e Clifford Berry, que lhe apresentaram suas pesquisas sobre o uso de dispositivos eletrônicos para a realização de cálculos numéricos e, a criação de ambos, o ABC. Inspirados, talvez, pela pesquisa de Atanasoff, Mauchly e Eckert projetaram um computador eletrônico para resolver as equações diferenciais para o Departamento de Artilharia, publicando, já em 1942, um ensaio intitulado "The use of vacuum tube devices in calculating" (O uso de válvulas eletrônicas a vácuo na computação), que se tornaria a base do relatório submetido pela Escola Moore ao Laboratório de Pesquisas em Balística, com o objetivo de conseguir um contrato para a sua efetiva construção. Em outras circunstâncias, provavelmente, as idéias de John Mauchly e J. Presper Eckert seriam rejeitadas como impraticáveis, simplesmente devido ao custo extremamente elevado para a construção do ENIAC.

As válvulas eletrônicas a vácuo, inventadas em 1906 pelo físico norte-americano Lee De Forest, foram usadas até o início da guerra, quase que exclusivamente como amplificadores, quando então se percebeu seu grande potencial como chaveadores eletrônicos ultra-rápidos, podendo alcançar um milhão de operações liga-desliga por segundo. Assim, transformado em dispositivo de chaveamento binário, representava o "0" pela ausência de corrente na placa e o "1" por sua presença.

As válvulas, sob uma perspectiva atual, eram altamente ineficientes: consumiam grande quantidade de energia para incandescer um filamento interno produzindo calor como efeito residual, ocupavam espaço demasiado e precisavam ser substituídas frequentemente. Ainda assim, o seu uso em substituição a componentes de chaveamento mecânico, como aqueles empregados no Analisador Diferencial de Vannevar Bush, foi um grande avanço, resultando em enorme ganho de velocidade.

Em junho de 1942, o Departamento de Artilharia assinou contrato com a Escola Moore de Engenharia Elétrica da Universidade da Pennsylvania, para o uso exclusivo de seu Analisador Diferencial, maior e mais rápido que o do Laboratório de Pesquisas em Balística, para a produção de tabelas de trajetória. A equipe da Universidade da Pennsylvania encarregada deste contrato incluía os professores Weygand, John W. Mauchly e J. Presper Eckert que, visualizando a oportunidade de desenvolverem pesquisas em sua área de interesse, iniciaram um trabalho com o objetivo de encontrar novas soluções para resolver os problemas computacionais daquele órgão. Primeiramente providenciaram uma série de melhoramentos no Analisador Diferencial da Escola Moore para torná-lo mais rápido, substituindo o inseguro amplificador de torque por um dispositivo eletrônico mais confiável. Tais modificações, introduzindo dispositivos eletrônicos no lugar de mecânicos, tornaram o equipamento da Escola Moore mais rápido e confiável, mas ainda assim isto não foi suficiente para conseguir atender a demanda por novas tabelas de trajetória do Departamento de Artilharia, que continuavam a chegar em quantidades cada vez mais elevadas.

Mulheres trabalhando nas máquinas de calcular da Escola Moore 
Com a crescente pressão, a necessidade de encontrar-se meios mais rápidos para executar os cálculos das tabelas de trajetória tornava-se cada vez mais urgente. O cálculo de uma trajetória poderia levar até 40 horas com o uso de uma calculadora de mesa e cerca de 30 minutos com o único Analisador Diferencial da Escola Moore. Como cada tabela continha centenas de trajetórias, o cálculo de uma única delas podia levar vários dias.

Sob estas circunstâncias, Mauchly preparou um relatório no qual apresentava suas idéias para a construção de um computador eletrônico digital, argumentando que este equipamento poderia efetuar 1000 operações de multiplicação por segundo, tornando possível o cálculo das tabelas de trajetórias em questão de minutos ao invés de dias.

Herman H. Goldstine, doutor em matemática pela Universidade de Chicago e tenente do Laboratório de Pesquisas em Balística, encarregado de supervisionar o contrato inicial com a Universidade da Pennsylvania, animou-se com as previsões de Mauchly e Eckert e com a perspectiva de ter uma máquina que pudesse eliminar as constantes pendências no cálculo das tabelas de balística. Uma vez convencido, assumiu a tarefa de viabilizar um novo contrato entre a Escola Moore e o Departamento de Artilharia com o objetivo de financiar o projeto de um computador eletrônico, mil vezes mais rápido que qualquer outra máquina existente. Entretanto, de posse do relatório de Mauchly, Goldstine considerou que tal projeto mais se aproximava de uma história de ficção científica e, para tornar sua posição de patrocinador ainda mais desconfortável, ele tinha a exata noção de que seria necessário gastar centenas de milhares de dólares para provar que aquelas idéias, dos dois engenheiros de respectivamente 35 e 23 anos de idade, estavam corretas. Aquele empreendimento, certamente iria consumir várias dezenas de vezes o orçamento de US$6.500 utilizado para o desenvolvimento do ABC de Atanasoff e Berry.

Além de todos os fatores de risco e da elevada pressão a que estavam submetidos, somava-se ainda a opinião contrária da maioria dos engenheiros elétricos da época, que acreditavam que tais idéias nunca funcionariam. Apesar do cenário hostil, os dois jovens engenheiros da Escola Moore, aspirantes a inventores de computador, e o matemático tenente, investido no papel de defensor e patrocinador do projeto, resolveram levar o projeto a diante. Em nove de abril de 1943, em reunião na qual participaram o superior de Goldstine, Coronel Leslie Simon, diretor do Laboratório de Pesquisas em Balística, e Oswald Veblen, presidente do Instituto de Estudos Avançados de Princeton e um dos principais encorajadores da pesquisa matemática com fins militares, Goldstine, Mauchly e Eckert apresentaram um audacioso plano para a construção da máquina mais complexa do mundo.
 
Segundo Goldstine, era enorme o risco associado ao projeto do computador eletrônico, mas o momento vivido pelo Departamento de Guerra dos Estados Unidos apresentava-se como uma oportunidade que tornaria inevitável o desfecho da questão, como registrado por suas próprias palavras: (35)
 
"… nós devemos perceber que a máquina em questão conterá mais de 17.000 válvulas de 16 tipos diferentes, operando a uma frequência básica de 100.000 pulsos por segundo… a cada 10 microssegundos poderá ocorrer um erro se apenas uma das 17.000 válvulas funcionar incorretamente; isto significa que em um simples segundo existem 1,7 bilhões de chances de ocorrer uma falha… O homem jamais construiu um instrumento capaz de operar com este grau de precisão e confiabilidade, e este é o motivo pelo qual este empreendimento apresenta, ao mesmo tempo, tão elevado risco e tamanha realização.
…Após estar ouvindo por pouco tempo a minha apresentação, enquanto balançava sua cadeira apoiada apenas nas pernas traseiras, Veblen derrubou-a barulhentamente, levantou-se e disse: - Simon, dê o dinheiro a Goldstine."
 
Assim, em 05 de junho de 1943, foi assinado um novo contrato, sob o codinome de Projeto PX, no valor de aproximadamente US$500 mil, em valores históricos, para que fosse realizado o desenvolvimento e a construção de um computador e integrador numérico eletrônico – o ENIAC.

A equipe formada para esta empreitada seria supervisionada pelo Professor Brainard, com Eckert como engenheiro chefe e Mauchly como principal consultor. Mais tarde, em 1944, John von Neumann integrou-se à equipe que já estava construindo o ENIAC. Curiosamente, esta nova adesão deveu-se à casualidade de von Neumann ter conhecido Herman Goldstine numa plataforma de trens no verão daquele ano, iniciando assim uma amizade que perduraria até o final de sua vida. Sob o ponto de vista de Goldstine, este matemático notável e uma das personalidades mais respeitadas e solicitadas de sua época, seria um apoio providencial para reduzir os riscos inerentes ao projeto de tamanha envergadura. Por seu lado, após obter algumas informações de seu novo amigo, von Neumann interessou-se em participar do projeto, no que foi prontamente atendido.

* Devido ao ataque japonês à Pearl Habour em 07 de dezembro de 1941, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão em 8 de dezembro e, em apoio ao seu aliado, a Alemanha e a Itália declararam guerra aos Estados Unidos, em 11 de dezembro. (Nota do Autor)


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