PEC 37: impunidade ou defesa dos interesses públicos ?
Instituições como partidos políticos, governos em
todas as esferas de poder, empresas, bancos e imprensa, apesar de suas
identidades reconhecidas pela sociedade, a rigor nada fazem enquanto organizações.
Somente pessoas, como eu ou você, é que tomam decisões e praticam ações, que
são creditadas à tais instituições.
Ocorre que políticos, assim como governantes, juízes, empresários,
banqueiros e até mesmo clérigos, entre tantas outras atividades, com frequência
colocam seus interesses pessoais acima dos interesses da coletividade, muitas
vezes indo contra os interesses da própria organização a qual representam. Essa
prática, constatada com regularidade, independe do tipo de organização e até
mesmo do país em que se vive. Trata-se de uma característica da natureza humana.
E essa característica da natureza humana, associada à condições de poder de
qualquer espécie, aparece com tanto mais frequência quanto menos transparência
e controle são exigidos de seus praticantes. Por este motivo existem tantos
órgãos de controle em qualquer tipo atividade humana. E ainda assim, a
quantidade comprovada de desvios dos objetivos declarados destas organizações
em função de interesses pessoais não é pequena.
Talvez seja por esta razão que, segundo diversas
fontes facilmente acessíveis pela internet, apenas em três países do mundo o Ministério Público não possui poder de investigação criminal: Indonésia, Quênia e Uganda. Essas são nações que enfrentam grandes problemas sociais e econômicos, inclusive no âmbito da segurança pública.
No Brasil, esta situação tem sido agravada por um
sistema jurídico que favorece a impunidade daqueles que detém poder econômico
ou influência política, por meio de inúmeras instâncias, progressão de pena e
outras peculiaridades, que foram originalmente pensadas para a defesa contra
uma condição de ditadura que não mais existe.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37/2011,
apresentada pelo deputado federal Lourival Mendes (PT do B/MA), propõe o acréscimo
de um parágrafo ao artigo 144 da Constituição Brasileira, definindo a
competência para “a apuração das infrações penais [...] privativamente às
polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal”. Deste modo, a
aprovação da PEC 37 implicará que investigações criminais serão de competência
exclusiva das polícias Civil e Federal. Diversas interpretações jurídicas entendem
que esta exclusividade de investigação das polícias determina que outros órgãos,
além do Ministério Público, ficariam impedidos de realizar investigações, como
o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a Receita Federal, a
Controladoria-Geral da União, o Banco Central, a Previdência Social,
entre tantos outros, e que poderão ter suas ações questionadas e invalidadas em
juízo.
Por outro lado, não existe para o ser humano uma verdade única, absoluta,
somente interpretações, pontos de vista pessoais e, portanto, subjetivos, que
moldam-se às condições de tempo e lugar. O processo, do qual resulta o que chamamos de
conhecimento, não ocorre obrigatoriamente por meio de um processo pontual, mas realiza-se através de uma dinâmica contínua, regulada por sucessivas
aproximações à medida que as fontes de informação, incluindo a própria memória,
são revisitadas e reexaminadas a cada novo ciclo. A experiência do mundo ao
nosso redor se dá pela contínua redefinição daquilo que denominamos de
normalidade.
A natureza subjetiva da percepção e do conhecimento humano nos torna
vulneráveis à conclusões superficiais e precipitadas, principalmente quando
estamos sujeitos à manipulação de informações tanto por parte daqueles que
defendem seus interesses pessoais como por alguns que defendem os interesses
legítimos de suas instituições. Assim, cabe perguntarmos a quem mais interessa
a aprovação da PEC37. Não devemos confiar previamente em tudo que nos dizem ou
que é publicado pela mídia de qualquer tipo, inclusive a social. Para minimizar
as possibilidades de ser usado como massa de manobra, busque as origens das
informações e verifique a sua credibilidade e veracidade. Desconfie de todos que se autoproclamam ou agem como se fossem os únicos detentores da verdade. O autoritarismo que não admite questionamentos é um dos principais indícios da defesa de interesses pessoais, que frequentemente não conseguem ser qualificados como legítimos ou éticos.
Será que o mundo todo está errado e somente Indonésia,
Quênia e Uganda é que estão no caminho adequado? Será que o Brasil tem mais
semelhanças com estes três países do que com todos os outros países do mundo?
É preciso que se tome cuidado para não pegarmos a
contramão da história e provocarmos retrocessos em questões que, para serem
contornadas, exigiram décadas de esforço e muitas vidas das gerações
anteriores.
Gilberto L. Fernandes
Brasília/DF, 24 de junho de 2013.