Apresentação


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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Legado Árabe e a Introdução do Sistema Decimal no Ocidente


“O vasto mundo: apenas grão de poeira no espaço.
Toda a ciência dos homens: só palavras, palavras...
Admitamos que tenhas resolvido o difícil enigma da criação.
Qual será seu destino?
Admitamos que tenhas conseguido afinal desvendar a verdade.
Qual será seu destino?"

Omar Khayyam

Voltando à questão dos sistemas numéricos, nos deparamos com uma curiosa e histórica situação de créditos por autoria indevida, ao estudarmos o sistema decimal que utilizamos, formado pelos algarismos arábicos, que a bem da verdade não foram criados pelos árabes e sim pelos hindus. Em 14 de setembro do ano de 786 d.C., Harun al-Rashid (o mesmo Califa em cujo período foi ambientado o conto das mil e uma noites) tornou-se o quinto Califa da dinastia Abbasid, governando a partir de Bagdá o Império Islâmico, que se estendia desde o Mediterrâneo até a Índia. Harun patrocinou o desenvolvimento científico e incentivou o estudo de disciplinas que, àquele tempo, não eram dominadas no mundo árabe. Com sua morte em 809 d.C., seus dois filhos, al-Amin e al-Mamun, entraram em guerra pela sucessão, culminando com a morte do mais velho al-Amin e a ascensão ao trono de Califa por al-Mamun, em 813 d.C. Dando continuidade à tarefa iniciada por seu pai, al-Mamun almejou transformar seu reino em um grande centro de conhecimento, criando a Academia Casa de Sabedoria, onde, primordialmente, eram traduzidos para o árabe trabalhos científicos e textos de filosofia gregos.(1 e 2)

Por volta do ano 825 d.C., al-Mamun contratou e encaminhou à Bagdá grandes sábios mulçumanos daquela época, entre os quais encontrava-se Abu Ja’far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi (em torno de 780d.C. - em torno de 850d.C.), grande matemático e astrônomo persa que assumiu a incumbência de traduzir para sua língua os livros de matemática trazidos da Índia. Numa dessas traduções, al-Khwarizmi(3) deparou-se com o que considerou a maior descoberta no campo da matemática: o sistema posicional de numeração decimal. De tão impressionado que ficou com a utilidade daqueles dez símbolos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), escreveu um livro – Sobre a Arte Hindu de Calcular – explicando o funcionamento deste sistema, contribuindo fortemente com a difusão, nas culturas árabe e européia, do sistema numérico hindu, assim como seus métodos de cálculo numérico e algébrico. Tal divulgação, entre matemáticos de todo o mundo, depois de algum tempo, terminou por tornar este sistema padronizado mundialmente.

Entretanto, somente após a queda do Império Romano, em 1432, e a ascensão ao poder dos turcos otomanos, é que os algarismos arábicos ganharam força e foram de fato empregados largamente, ocupando o espaço antes pertencente aos algarismos romanos. Assim, podemos supor que, provavelmente, os algarismos arábicos tornaram-se padrão mundial devido à supremacia militar dos árabes, e não em função de sua simplicidade e facilidade de uso, reforçando deste modo o pensamento de Napoleão de que a verdade histórica, sendo relativa, expressa a visão dos vencedores. Razão esta pela qual mandou gravar em seus canhões a expressão latina “ultima ratio Regis”, ou seja, a última palavra é a do Rei.(4)

Em homenagem à al-Khwarizmi, que escreveu ainda vários outros trabalhos sobre assuntos diversos, como aritmética (do grego arithmos, número) e astronomia, foram cunhados os termos algarismo, para designar cada um dos símbolos do sistema decimal, e algoritmo, derivado do latim algorism, para indicar a sequência de passos lógicos empregados na resolução de um problema. Um de seus mais notáveis trabalhos, o tratado Hisab al-jabr w’al muqabala, originou o termo álgebra, derivado de al-jabr, cuja semântica significa restauração, referindo-se à passagem de termos de um lado para outro de uma equação.

Após al-Khwarizmi, outros eminentes matemáticos árabes sucederam-lhe o posto dando continuidade ao seu trabalho de compreensão e dissiminação da ciência da matemática, tal qual era conhecida na Índia, notadamente durante o século 10, como Abu Kamil, Abu Wafa al Bujzani, Al Uqlidisi e Al Karaji, e o século 11, como Kushiyar ibn Labban al Gili e o famoso poeta, astrônomo e matemático persa Ghiyáthuddin Abulfath Omar bin Ibráhim al Khayyam (1050d.C. - 1123d.C.), mais conhecido no ocidente, simplesmente, como Omar Khayyam, responsável por importantes estudos sobre a teoria das proporções e equações de terceiro grau (ou cúbicas).(5)

Bibliografia e Referências:
(1) ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (1999), Abu Ja'far Muhammad ibn Musa Al-Khwarizmi, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Khwarizmi.html
(2) ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (1999), Arabic mathematics: forgotten brilliance?, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics/Arabic_numerals.html
(3) Al-Khwarizmi, origem do nome deste famoso matemático, é a região compreendida ao sul e a leste do Mar Aral, em torno da cidade chamada Khiva (ou Urgench), às margens do rio Amu Darya. Tal região fazia parte da Rota da Seda, importante caminho comercial entre a Europa e o Oriente, naquela época pertencente à Pérsia. Atualmente, faz parte do Uzberquistão, ao norte do Irã, nação independente a partir de 1991, após o colapso da União soviética. (Nota do Autor)
(4) Talvez por esta mesma razão, sugerida por Napoleão, até os dias atuais continuem em uso sistemas de medidas diferentes, como o europeu e o norte-americano, que utiliza polegadas, pés e milhas no lugar do sistema métrico (do grego métron, o que mede), surgido por volta de 1790 a partir de uma comissão de matemáticos, instituída por reformadores franceses com o propósito de unificar as diversas formas de medida em vigor àquela época. Inicialmente, a unidade de medida de comprimento, o metro, correspondia à décima milionésima parte da distância entre o equador terrestre e o pólo norte, medida ao longo de um meridiano. Em 1875, mais uma vez por iniciativa do governo francês, foi constituída uma comissão internacional que instituiu como padrão métrico uma barra formada por uma liga de platina com irídio com duas marcas, cuja distância determinava o comprimento de 1 metro, sendo até hoje mantida num museu suíço, sob temperatura controlada de zero grau centígrado para evitar dilatações ou contrações devido a variações de temperatura. Mais tarde, a partir de 1983, o metro passou a corresponder a fração de 1/300.000.000 da distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um segundo. (Nota do Autor)
(5) Ifrah, George (2001), The Universal History of Computing, New York: John Wiley & Sons, Inc., p. 74.

Arquivo com o texto completo para consulta e download:
O Legado Árabe e a Introdução do Sistema Decimal no Ocidente

2 comentários:

  1. Por acaso, o senhor teria alguma referência sobre o sistema métrico usado pelos árabes? Meu email: lannes.suellen@gmail.com

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  2. Cara Suellen,

    Abaixo seguem as referências utilizadas durante a composição do texto:

    63. HINES, Richard (1999), Ancient India, World Civilizations, Washington State University, http://www.wsu.edu/~dee/ANCINDIA/CONTENTS.HTM

    69. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (2009), Abu Ja'far Muhammad ibn Musa Al-Khwarizmi, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Khwarizmi.html

    70. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (1999), The Arabic numeral system, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics/Arabic_numerals.html

    71. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (1999), An overview of Indian mathematics, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics /Indian_mathematics.html

    74. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics, Scotland (2000), Indian numerals, http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics/In

    192. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics (1998), Leonardo Pisano Fibonacci, Scotland:
    http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Mathematicians/Fibonacci.html

    193. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics (1996), François Edouard Anatole Lucas, Scotland:
    dian_numerals.html

    195. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics (2000), Thomas Harriot, Scotland: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Mathematicians/Harriot.html

    196. ST ANDREWS, University of; School of Mathematics and Statistics (2000), Robert Recorde, Scotland: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Mathematicians/Recorde.html

    Abraços,
    Gilberto

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