“Observar, todos nós
observamos. A cada momento estamos atentos a um número praticamente infinito de
estímulos, e colocamos nesta atividade os nossos órgãos sensoriais todos. No
entanto, da imensa gama de informações que recebemos, apenas uma pequena parcela
nos interessa, e mesmo assim este interesse é momentâneo. Uma vez atingido
nosso objetivo imediato, nossa atenção se volta para outros dados, e aqueles
iniciais são normalmente esquecidos. Via de regra, apenas conseguimos nos
recordar de uma parcela ínfima dos estímulos com os quais entramos em contato,
e mesmo assim, por prazos relativamente curtos. A imensa maioria do que
observamos se perde.” (TOMANIK, 2004, p. 64-65)
O estudo do mecanismo de percepção
sensorial inicia-se, naturalmente, pela captação de estímulos e sensações
vindos do mundo exterior pelos órgãos dos sentidos e seus receptores sensoriais,
que os encaminham ao cérebro para serem processados. Porém, antes da abordagem
propriamente dita do funcionamento deste mecanismo de percepção, entendemos ser
adequado destacamos algumas definições neurofisiológicas que serão utilizadas
ao longo deste texto (BRITO, 2010, p. 2-7):
·
Estímulo sensorial: “uma forma de energia que pode ser captada e interpretada por um
sistema sensorial apropriado”;
·
Receptor sensorial: “uma estrutura que responde à presença de um estímulo”, responsável
pela transdução dos estímulos externos em sinais eletroquímicos;
·
Transdução sensorial: “a capacidade de todo receptor sensorial transformar a energia de um
estímulo em um sinal biológico (elétrico)”;
·
Sensação: o “reconhecimento da presença de um estímulo e de suas propriedades
básicas”, resultantes do funcionamento do sistema sensorial;
·
Percepção sensorial: “a capacidade de dar às sensações significado e integração”.
A partir das definições anteriores, os
componentes do sistema sensorial humano podem ser identificados e separados
fisiologicamente como os órgãos dos sentidos, com seus respectivos receptores
sensoriais que convertem os estímulos externos em sinais biológicos, as aferências
neurais (nervos periféricos e vias neurais), que conectam os órgãos do sentido
ao cérebro e encaminham os estímulos externos, captados e transformados pelos
receptores sensoriais, ao último componente do sistema sensorial, as áreas sensoriais
centrais, envolvidas diretamente no processamento e interpretação destes sinais
biológicos, gerando a percepção sensorial (BRITO, 2010, p. 12-16).
Seguindo o fluxo dos estímulos sensoriais
pelo sistema cognitivo, e baseado em conhecimentos já sedimentados da
neurofisiologia, pretende-se agora demonstrar que o processamento dos estímulos
primários, oriundos dos sentidos, determina a formação de uma percepção
sensorial, insuficiente para a compreensão do mundo que nos cerca, e que somente
após uma nova etapa de processamento dessa percepção primária é que se torna
possível alcançar esta compreensão, em um novo estado mental, que neste
trabalho denomina-se de impressão sensorial. Pretende-se também demonstrar que
as impressões sensoriais, via indireta de percepção da realidade objetiva, são
os mais elementares constructos mentais que representam o mundo exterior,
passíveis de serem conscientizados e armazenados. De modo a caracterizar estes
dois conceitos, serão apresentados em seguida alguns contrapontos entre a
percepção sensorial e a impressão.
Tomando-se como exemplo a visão, sabe-se
que durante o processo de percepção de uma imagem, os fótons captados pela
retina de cada olho formam imagens invertidas e bidimensionais. Entretanto, o
sistema sensorial, após o processamento primário dos estímulos visuais vindos
da retina, corrige este efeito, produzindo uma imagem que é percebida sem
inversão e em três dimensões. Sabe-se também que é possível a uma pessoa ter
olhos e nervos ópticos saudáveis e ainda assim ser privada do sentido da visão,
devido a lesões em partes específicas do encéfalo, como o tálamo, o córtex ou
as vias neuronais. Nesse caso, as percepções visuais externas eventualmente chegam
ao cérebro, mas não conseguem ser processadas. De modo idêntico, devido aos
avanços recentes da medicina na área da neurofisiologia e da microeletrônica, existem
casos documentados de pacientes com deficiências visuais degenerativas, ou
lesões relacionadas à idade, devido a problemas que afetam exclusivamente os
olhos ou os nervos ópticos, que conseguem recuperar a faculdade da visão
através de câmaras de vídeo ligadas diretamente ao cérebro, por meio de
eletrodos (RODRIGUES et. al., 2004; SAFRAN,
2008; TAYLOR, 2011). Entretanto, pacientes privados do sentido da visão desde o
seu nascimento não têm os mesmos resultados neste tipo de procedimento médico
que outro paciente que tenha perdido a faculdade da visão após este sentido
estar amadurecido. Para os pacientes que nunca enxergaram antes, torna-se necessário
um período maior de adaptação e aprendizado no reconhecimento das imagens,
antes que possam ser geradas impressões com a mesma qualidade e
inteligibilidade do que aquelas geradas pelos pacientes que já enxergaram
anteriormente. Pelos exemplos acima, evidencia-se a independência funcional
existente entre os componentes do sistema sensorial da visão O mesmo ocorre com
os demais sentidos.
Os
diversos tipos de ilusão que acometem o ser humano em sua interação com o mundo,
podem servir de indicador da influência que cada um dos componentes do
mecanismo da percepção sensorial têm na formação das impressões do mundo que o
cerca. No contexto deste trabalho, uma definição apropriada para ilusão seria a
discrepância entre percepções ocorridas em diferentes condições do observador,
e não necessariamente entre o que é percebido e a realidade. Por esta
definição, ilusões podem ocorrer tanto entre diferentes observadores como em
condições diversas de observação de um mesmo observador.
Tomemos o seguinte exemplo de ilusão. Uma
pessoa, após a ingestão de algumas taças de vinho, além de sua capacidade de
metabolizar o álcool contido na bebida, poderá ter a produção e funcionamento
de seus neurotransmissores afetados e sofrer interferências nas sinapses de
seus neurônios. Como consequência destes distúrbios, podem ocorrer falhas no
processamento dos estímulos externos, da percepção sensorial ou no mecanismo de
apreensão, gerando no sujeito cognoscente a impressão de enxergar imagens
turvas, ou mesmo em duplicidade, apesar de nesse caso não haver qualquer
problema detectável em seus olhos ou nervos ópticos. Embora existam ilusões sensoriais
que podem enganar o cérebro, provocadas não somente pela visão, mas por todos
os sentidos, o tipo de ilusão cognitiva causada pelo álcool é provocada por
distúrbios momentâneos nos mecanismos que processam os estímulos vindos do
sentido da visão. As ilusões visuais, as mais conhecidas e estudadas, podem, em
princípio, ser classificadas como sendo de origem óptica, sensorial ou
cognitiva, como no exemplo acima (BALDO e HADDAD, 2003, p. 3). Mais à frente,
quando for abordado o mecanismo de interpretação, será retomada esta questão
relativa às ilusões e ambiguidades da percepção.
Além das ilusões visuais relativas ao
espaço, como no exemplo acima, o ser humano também está sujeito a ilusões
sensoriais e cognitivas relativas à dimensão temporal. A simples contemplação
de um céu noturno estrelado, que costuma causar admiração e propensão à
reflexão em boa parte das pessoas, pode servir de exemplo de ilusão temporal.
Talvez as sensações provocadas por esta experiência seja uma reação
inconsciente ao fato de estarmos, na verdade, olhando para um passado distante,
através de um mosaico temporal que nos conta a história de milhares de anos antes,
quando a luz de cada estrela visualizada partiu em sua jornada até a Terra.
Apesar da luz de cada estrela percebida a olho nu ter partido em momentos
diferentes, com um intervalo que pode variar de quatro até cerca de dez mil
anos, têm-se a nítida impressão de que se está olhando para uma configuração
celeste em tempo real.
À medida que esta experiência é trazida para
mais perto de nós, o grau de estranhamento da situação se altera. Quando se olha
o Sol, vê-se onde ele estava a cerca de oito minutos antes. Se por acaso a Lua
explodisse, seria necessário um pouco mais de um segundo para que se percebesse
o ocorrido. Em nossa interação com o mundo real, criamos a cada momento uma
imagem mental congelada do mundo observado. Apesar de a luz viajar a uma
velocidade espantosamente alta, ela não é instantânea e precisa de algum tempo
para chegar à nossa retina e mais algum tempo ainda para ser processada como um
estímulo luminoso. Desse modo, tudo o que percebemos em nossas imagens mentais
congeladas como sendo o agora,
pertence ao passado. E, como não podemos estar em uma mesma posição e no mesmo momento
que outras pessoas, a noção do agora e a imagem mental congelada de cada um de
nós é individualizada e sofre variações proporcionais às diferenças relativas
de posição e de velocidade, configurando uma multiplicidade de realidades
pessoais. A subjetividade da realidade percebida é explicada pelo físico
norte-americano Brian Greene (1963 - ):
“Tudo o que você está vendo agora já aconteceu. Você não está vendo as
palavras desta página como elas são agora; o livro está a uns dois palmos dos
seus olhos e você vê as palavras como elas eram um bilionésimo de segundo
antes.
[...] embora a ideia da imagem mental congelada capte o nosso senso da
realidade, ou seja, a nossa percepção intuitiva do que ‘está aí’, ela consiste
em eventos que não podemos experimentar, nem afetar, nem mesmo registrar agora.
[...] É notável que essa maneira aparentemente direta de pensar leva a
um conceito inesperadamente expansivo da realidade. Veja que, de acordo com o
espaço e tempo absolutos de Newton, as imagens congeladas de todos a respeito
do universo em dado momento contêm exatamente os mesmos eventos. O agora de todos é o mesmo agora e, portanto, a lista de agoras de
todos para determinado momento é sempre a mesma. Se alguém ou algo está na sua
lista de agoras relativa a determinado momento, também estará necessariamente
na minha lista de agoras relativa a esse mesmo momento. A intuição da maioria
das pessoas ainda se prende a esse tipo de pensamento, mas a história que a
relatividade especial nos conta é muito diferente. [...] Dois observadores em
movimento relativo têm agoras – momentos individuais do tempo, a partir da
perspectiva de cada um – que são diferentes entre si. [...] E agoras diferentes implicam em listas de
agoras diferentes. Os observadores que
estão em movimento relativo entre si têm concepções diferentes a respeito do
que existe em um momento dado e, por conseguinte, têm concepções diferentes da
realidade.” (GREENE, 2005, p. 161-162)
A percepção visual do Sol, experenciada
por observadores na Terra sempre com cerca de oito minutos de atraso, conforme
descrito anteriormente, torna evidente uma distinção fundamental entre fenômeno
e realidade objetiva. Os fótons capturados pela retina humana não são eles
próprios o Sol. Se eventualmente o Sol se desintegrasse, excetuando-se os
efeitos imediatos da força de gravidade, continuaria ainda a ser percebido por
todos em sua órbita celeste, apesar de não mais fazer parte da realidade física.
A desintegração do exemplo anterior conforma-se como um fato, ou ato de
transformação da realidade objetiva, diferentemente do fenômeno. Segundo
Husserl, o fenômeno distingue-se da realidade física, da coisa em si, podendo ser
definido como a aparição do objeto real, aquilo que se apresenta à apreensão. Demonstra-se
deste modo que o acesso do sujeito cognoscente à realidade objetiva é sempre
mediada pelo fenômeno, implicando, por consequência, que o conhecimento seja uma
imagem da realidade, um conjunto de propriedades do objeto observado apreendidas
e interpretadas pelo sujeito.
A dependência da percepção humana a aspectos tanto espaciais
quanto temporais, pode propiciar o surgimento de ilusões sensoriais e
cognitivas com o envolvimento simultâneo de ambas as dimensões. O som e a
imagem de um avião supersônico não nos atingem ao mesmo tempo, do mesmo modo
que, apesar de imperceptível, a voz e o movimento labial de uma pessoa que
esteja conversando a poucos centímetros de nós. Observadores que estejam a
distâncias diferentes do avião ou do interlocutor, receberão o som e a imagem com
intervalos proporcionalmente diferentes. Adicionalmente, estes dados sensoriais,
provenientes dos sentidos da audição e da visão, são processados pelo sistema
nervoso humano com diferentes velocidades (BALDO e HADDAD, 2003, p.4). A
descrição destas ilusões sensoriais e cognitivas a que estamos expostos, serve
ao propósito de ilustrar, ainda que superficialmente, o funcionamento do
mecanismo de percepção humano.
Uma das mais significativas evidências,
e talvez definitiva, a demonstrar a distinção entre percepção sensorial e
impressão cognitiva seja a persistente, e bastante comum, ilusão cognitiva da
presença de membros e partes do corpo humano, após sua amputação. Estudos
recentes comprovam que até mesmo a imagem e consciência que o ser humano tem de
seu próprio corpo e de seus limites físicos, na realidade retrata uma simulação
e não seu corpo de fato, baseada em modelos mentais criados pelo cérebro. Relatos
do conceituado médico e neurofisiologista brasileiro Miguel Nicolelis (1961 - )
atestam estas características mentais:
“[...] pelo menos 90% dos
pacientes que sofrem amputações experimentam os sintomas que caracterizam o que
a literatura médica chama de “membro fantasma”: a vívida sensação de que uma
parte do corpo que não existe mais permanece ativa e ligada a ele. [...] Essa
sensação é tão real quanto angustiante, [...] se estende por todo o membro
amputado e, efetivamente, o reconstrói na mente do paciente.” (NICOLELIS, 2011,
p. 103)
“Pesquisas revelam que a sensação de membro fantasma pode se manifestar
após a amputação de qualquer parte do corpo, e não somente de pernas e braços.”
(NICOLELIS, 2011, p. 106)
“[...] a imagem do corpo e de seus limites que o cérebro contém
permaneceria ativa mesmo depois da remoção física de um membro, criando a
sensação anômala, mas absolutamente real, que caracteriza o membro fantasma.” (NICOLELIS, 2011, p. 110)
“[...] simulações geradas internamente pelo cérebro, e não o fluxo
ascendente de informações táteis transportado pelos nervos periféricos, é que
ditam a modelagem e a manutenção da percepção da forma e d o limite do corpo
que habitamos.” (NICOLELIS, 2011, p. 117)
“Como era de esperar de um criador que conhece muito bem os detalhes da
arte de esculpir a realidade, o cérebro nos provê com a sensação de habitar um
corpo concreto e real que, no final das contas, não passa de mera ilusão
neural.” (NICOLELIS, 2011, p. 119)
Claramente, há uma distinção entre os
estímulos captados pelos órgãos dos sentidos, o resultado do processamento
primário destes estímulos, ou percepção sensorial, e a impressão que temos do
mundo exterior após uma nova etapa de processamento. Naturalmente, deve existir
no cérebro humano um mecanismo apropriado para a construção das impressões
cognitivas, em uma segunda etapa de processamento.
Uma vez caracterizada a distinção entre
percepção sensorial e impressão cognitiva, faz-se necessário detalhar o
processo e o mecanismo que realiza tal transformação. Atualmente, por meio de técnicas
de visualização em tempo real do modo de operação do cérebro, em exames de
ressonância magnética funcional e de tomografia pela emissão de pósitrons
(PET), e de outras técnicas recentes da medicina, como a estimulação através de
microeletrodos implantados diretamente em regiões específicas do córtex, tornou-se
possível um conhecimento e mapeamento razoáveis do fluxo e de como se realiza o
processamento dos estímulos vindos dos sentidos (BALDO e
HADDAD, 2003; NICOLELIS, 2011). Entretanto, por não fazer parte do escopo deste
trabalho o mapeamento detalhado do percurso e processamento dos sinais biológicos
de cada um dos sentidos sensoriais, esta análise será restrita apenas ao
processamento dos estímulos originados pelo sentido da visão.
De acordo com registros históricos, os
mecanismos de percepção do sentido da visão tiveram o seu funcionamento correto
proposto primeiramente pelo astrônomo alemão Johannes Kepler (1571 – 1630), em
1604. Diferentemente das explicações aceitas na época, Kepler constatou e propôs
que as imagens formam-se na retina, de modo invertido, e relacionou as causas
de problemas comuns da visão, como a miopia e hipermetropia, à má formação destas
imagens. As explicações de Kepler, mais tarde seriam confirmadas por René
Descartes (1596 – 1650). (DONATELLI, 2008)
Sabe-se atualmente que a percepção de
imagens é processada simultaneamente por diferentes áreas especializadas,
distribuídas pelo encéfalo
humano. A partir de células fotossensíveis presentes em nossas retinas, os cones
e os bastonetes, as imagens são codificadas e enviadas através do nervo óptico,
na forma de impulsos eletroquímicos, ao tálamo,
um centro de organização e distribuição cerebral para onde convergem diversas
vias neuronais. Situado na região mais profunda de ambos os hemisférios
cerebrais (figura 1), o tálamo dá início a um processamento paralelo, repleto
de circuitos de realimentação, que irá resultar na construção da percepção
visual (BALDO
e HADDAD, 2003).
Os cones, células responsáveis pela
distinção da frequência das ondas luminosas, ou cores, e os bastonetes,
responsáveis pela percepção da intensidade luminosa e de imagens em situações
de baixa luminosidade, estão presentes na retina humana na proporção aproximada
de 60 milhões de cones para 120 milhões de bastonetes (SAC, 2012). Após passar
pelo tálamo, os sinais vindos da retina, gerados simultaneamente pelos cones e
bastonetes, seguem paralelamente por duas vias neurais principais, as vias
ventral e dorsal. Pela via ventral, ao longo da qual ocorrem processos de
identificação dos objetos, estes sinais são enviados ao córtex visual primário,
representados respectivamente pela linha contínua e por v1 na figura 2 (BALDO e
HADDAD, 2003), onde ocorre uma das etapas prioritárias neste processo, a
detecção de bordas para a distinção entre objetos diversos. Ainda pela via
ventral, os estímulos visuais originados da retina são enviados à região
marcada como v4 na figura 2 para o processamento de cores, e depois ao córtex
temporal inferior para o processamento de formas. Paralelamente, os mesmos
sinais seguem pela via dorsal, representada pela linha pontilhada na figura 2,
onde ocorre o processamento de localização espacial dos objetos, sendo estes
sinais enviados ao córtex temporal medial, na região designada por v5 na figura
2, para o processamento das propriedades relacionadas ao movimento e
profundidade.
Fig. 1. Encéfalo
|
Fig.2.
Vias neuronais
|
Apesar de considerar-se
o aparelhamento sensorial e cognitivo humano como uma maravilha da natureza, e da
tecnologia disponível no momento ainda se encontrar em um estágio distante do
objetivo de conseguir reproduzir artificialmente estas características em sua
plenitude, os órgãos dos sentidos humanos são relativamente limitados em suas
capacidades sensoriais. Os dados fornecidos ao cérebro pelos sentidos são
insuficientes ou de qualidade questionável para a formação de impressões
cognitivas. O aparelhamento sensorial humano, após milhares de anos de processo
evolutivo, é capaz de perceber apenas uma faixa estreita de frequências e outra
faixa estreita do espectro eletromagnético, denominados de som e luz. A cada
momento, somos bombardeados por uma quantidade de dados absurdamente maior do
que os sentidos conseguem captar ou o cérebro processar. Desse modo, o cérebro
humano, partindo de percepções sensoriais fragmentadas e discrepantes, precisa
efetuar correções nos dados que lhe chegam para que possam ser produzidas
impressões cognitivas e um entendimento que representem a realidade externa com
alto grau de coerência e fidelidade. O reconhecido físico norte-americano
Leonard Mlodinow (1954 - ) nos fornece uma ideia das limitações sensoriais
humanas, que tornam necessário um duplo processamento dos estímulos sensoriais:
“Faraday notou que a percepção humana não é uma consequência direta da
realidade, e sim um ato imaginativo.
A percepção necessita da imaginação porque os dados que encontramos em
nossas vidas nunca são completos, são sempre ambíguos. [...] numa corte de
justiça, poucas coisas são mais levadas em consideração que uma testemunha
ocular. No entanto, se apresentássemos em uma corte um vídeo com a mesma
qualidade dos dados não processados captados pela retina do olho humano, o juiz
poderia se perguntar o que estávamos tentando esconder. Em primeiro lugar, a
imagem teria um ponto cego no lugar em que o nervo óptico se liga à retina.
Além disso, a única parte de nosso campo de visão que tem boa resolução é uma
área estreita, de aproximadamente 1 grau de ângulo visual, ao redor de centro
da retina, uma área da largura de nosso polegar quando o observamos com o braço
estendido. Fora dessa região, a resolução cai vertiginosamente. Para compensar
essa queda, movemos constantemente os olhos pata fazer com que a região mais
nítida recaia sobre diferentes pontos da cena que desejamos observar. Assim, os
dados crus que enviamos ao cérebro consistem numa imagem tremida, muito
pixelada e com um buraco no meio. Felizmente, o cérebro processa os dados,
combinando as informações trazidas pelos dois olhos e preenchendo as lacunas,
com o pressuposto de que as propriedades visuais de localidades vizinhas são
semelhantes e sobrepostas. O resultado [...] é um alegre ser humano sujeito à
convincente ilusão de que sua visão é nítida e clara.” (MLODINOW, 2009)
À
medida que avança a compreensão sobre o funcionamento dos mecanismos da
percepção humana, fica claro que suas limitações sensoriais e cognitivas
representam um fator adicional de subjetividade na construção da interpretação
da realidade objetiva e na formação do conhecimento fenomenológico. As
implicações destas limitações para a Ciência da Informação foram identificadas
por Bertram Brookes, em 1980, conforme extrato de seu artigo sobre os aspectos
filosóficos dos fundamentos da Ciência da Informação:
“O espaço
aparentemente vazio à nossa volta está fervilhando com informações. Muito disto
nós não podemos estar conscientes porque os nossos sentidos não respondem a
elas. Muito disto nós ignoramos porque temos mais coisas interessantes para
prestar atenção. Mas nós não podemos ignorar isso se estivermos buscando uma
teoria geral da informação.” (BROOKES, 1980, p. 132)
Deste modo, a partir dos conceitos
filosóficos e dos experimentos e explicações neurofisiológicas do funcionamento
do sistema cognitivo humano, descritos nesta seção, propõe-se que a percepção sensorial
seja entendida como o resultado do processamento primário dos estímulos vindos
dos sentidos pelo sistema sensorial, formado pelos órgãos dos sentidos, vias
neurais e certas áreas especializadas do cérebro. E impressão cognitiva, como o
resultado do processamento das percepções sensoriais, em uma segunda etapa de
processamento. Os experimentos e mecanismos neurofisiológicos descritos nesta
seção sugerem que as percepções são as entradas e as impressões são as saídas,
de um duplo mecanismo de processamento automático e não intencional, dos
estímulos vindos do mundo externo. Ao conjunto de componentes deste duplo
mecanismo de processamento denominou-se, neste texto, de mecanismo de percepção
humana, conforme representado na figura 3, a seguir.
Fig.3
[2] Quase todos os sinais direcionados ao córtex passam pelo
tálamo, onde são reorganizados e/ou controlados, excetuando-se os estímulos
originados pelo sentido do olfato (WIKIPEDIA, 2012b).
Referências Bibliográficas
BALDO, Marcus Vinícius
C.; HADDAD, Hamilton. Ilusões: o olho mágico da percepção. Revista Brasileira
de Psiquiatria, vol. 25, suppl. 2. São Paulo: Departamento
de Fisiologia e Biofísica. Instituto de Ciências Biomédicas. Universidade de
São Paulo, 2003, pp. 3, 4, Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462003000600003>
. Acesso em: 03 de março de
2012.
BROOKES, B.C. The
foundations of information science. Part I. Philosophical aspect. Journal of
information Science, v. 2, p. 125-133, 1980.
DONATELLI,
Marisa Carneiro de Oliveira Franco. A visão e o princípio de correspondência em
Descartes. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1 n.
1, p. 26-35, jan | jun 2008. Disponível em <www.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=63>.
Acesso em 18/03/2012.
GREENE, Brian. O tecido do
cosmo: o espaço, o tempo e a textura da realidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005, pp. 9, 19-21, 36, 67-69,124, 151, 161-162, 204, 208, 579.
MLODINOW, Leonard. O
andar do bêbado, Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed., 2009, pp. 181-182.
NICOLELIS, Miguel.
Muito além do nosso eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 22, 51-53, 65-66,
69-70, 103, 106, 110, 116, 117, 119.
ROSEMBERG,
Alex. Introdução à filosofia da ciência. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
TOMANIK,
Eduardo Augusto. O olhar no espelho: “conversas” sobre a pesquisa em Ciências
Sociais. Maringá: Eduem, 2004, p 64-68, 85-87..